Inimigo: as alturas

Já tinha chamado o motorista pelo rádio do jornal e começava a reunir máquina fotográfica, bloquinho e caneta em uma pequena bolsa. Porém, uma ligação telefônica interrompeu a tarefa. O secretário de Agricultura de Marques de Souza queria saber quem iria ao passeio de balão na manhã do outro dia pelo centro de Lajeado que divulgaria uma feira comercial do município. Desliguei o telefone e me candidatei a subir aos céus, em um ato meio inconsequente, já que as alturas nunca foram bem quistas por mim. Acho que a vontade de desafiar um medo foi o grande motivo, mas que só permaneceu na intenção. Dormi mal a noite inteira. Sonhava que o balão colorido iria explodir ou colidir contra árvores. Os prováveis acidentes se repetiram durante a madrugada e acredito que só lá pelas 5 horas consegui "pregar os olhos". O inflável sairia do Parque dos Dick às 7h. Então tinha poucos minutos para descansar. Perdi a hora e só fui acordar às 7h10min. Liguei para o motorista e logo chegamos no local da decolagem. Dei graças a deus que o balão ainda estava em terra firme. Mas não por muito tempo. Poucos segundos depois de sair do carro ele começou a abandonar o chão, sem mim. A sensação foi de desespero e desânimo já que nem tive tempo de correr e me jogar na cesta.

Enquanto tirava fotografias para o alto tentava encontrar motivos para a minha falta. Deveria estar na hora prevista, mas falhei. Isso era fato. Difícil era entender que a viagem poderia se transformar em tragédia. Alguns poderiam imaginar que os pesadelos poderiam ser premonições, mas o passeio terminou bem. O que seria então? A psicologia explica com a palavra acrofobia, ou medo de altura, e que não surge com traumas psicológicos. O tratamento pode dar calafrios, mas faz o enfretamento direto do problema. Os pacientes são colocados em situações adversas para que o pavor das alturas caia no desuso. Mas, caras psicólogas, comigo a terapia não começou com o balão. A prova de fogo viria uns dois meses depois, quando tive que fazer uma reportagem sobre o restauro da Igreja da Matriz Santo Inácio de Loyolla.

A reforma implicaria melhorias na estrutura e teria início nas torres. Fiz uma foto para a capa com um empresário local apertado a mão do pároco em frente à Matriz, mas queria mostrar o local por dentro. A ideia era revelar a estrutura em condições não muito boas, para chamar os fiéis a contribuir. Mas para flagrar isso era preciso subir vários degraus e acompanhei o zelador da Igreja em um trajeto por dentro da torre principal. Os primeiros níveis foram fáceis, até chegarmos ao local onde fica a casa de máquinas do sino. Ali era o único ponto em que tínhamos acesso à parte externa. Porém, não tinha conseguido boas fotos. Me esforcei, mas o espaço não ajudou. Resolvi encarar mais alguns degraus da torre que estimo ter mais de 20 metros. Nos dois últimos níveis eu me resumia em uma palavra: medo. As escadas não eram frágeis, mas a altura impressionava. Interrompi meu percurso antes de chegar ao relógio (era o último estágio e também o mais claustrofóbico). Dali saía a haste que segura a cruz no topo da torre. Não subi com receio de não conseguir descer ou mesmo de cair, já que as tábuas estavam tomadas por cupins. O sofrimento era tanto que me paralisava. Até ali, o avanço pela torre era devagar, meticuloso e com seguidas pausas. Perguntava várias coisas para o homem para tentar disfarçar o nervosismo. O suor, aos poucos, deixava marcas na camisa mesmo com a temperatura amena nas ruas.

A descida foi demorada e veio como alívio. Quando finalmente cheguei às portas da Santo Inácio troquei o amém por aleluia. O zelador não falava mais nada. A única expressão no rosto era um riso contido. Me confessou que no começo tinha passado por mau-bocados. "Quase larguei o emprego, mas agora tiro de letra", disse. Não digo o mesmo, mas é bem provável que naquele dia a terapia tenha começado e que o medo das alturas possa ficar no passado. Entretanto, vai demorar a alguém tirar de mim o título de menino-balão. Pois é, por incrível que pareça o Secretário de Agricultura de Marques se lembrou de mim quase quatro meses depois do fatídico dia, na visita de Secretários Estaduais logo após a enxurrada na região. Tive que apelar para o bom humor...

Comentários

  1. ahahahah ta bom esse teu relato! Repórter sua e sofre! Agora tem q atualizar o blog!!!

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  2. aheheahaeh,
    Nem deveria ter durmido então,...

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