Maria e o papagaio

Dona Maria tinha 1,5 m e já tinha ultrapassado a meia-idade. Ela tinha dedicado parte da vida aos três filhos, dois meninos e uma menina. Em uma casinha de madeira apodrecida pelo tempo e telhas de zinco cuidou dos rebentos. Os murros baixos serviam como barreira para um vida em uma cidade maior e talvez com mais conforto. Deixou tudo para rumar para o interior gaúcho atrás de um amor de verão, que um dia terminaria. No colo guardava a centelha da paixão e a mantinha bem cuidada. Depois de três décadas ela escapou das mãos pequenas e fortes da mãe zelosa. Em um sopro se foi, para a vida. Talvez ali a irrealidade tenha mostrado as caras e virado o jogo em um supetão, que não parou por aí. O castelo de areia vistoso tinha sido tomado pelas águas que não poupavam a precisão nem o apreço de seus criadores. Em segundos, a construção precária foi derrubada sem piedade. Agora era apenas um amontoado de areia sem forma. Para Maria aquilo tudo era uma tempestade que durava dias e se arrastava por anos. Tonta, sem forças e com os olhos marejados a única alternativa para a senhora era fugir. Entretanto, a ventania era forte, tirava do rumo e a levava para longe, exaurindo-a. Visivelmente debilitada, só queria dormir. Procurava encontrar uma final feliz para uma história que já tinha terminado, mesmo sem estar convencida disto.

Um papagaio era a única presença naquela ilha deserta. Em uma tentativa frustada em espantar o pássaro Maria jogava pedras, galhos e o que via pela frente. Mesmo machucado o bicho sempre retornava com aquele ar imperial o mais perto que podia da senhora e dizia: "abra os olhos". Ela só se deu conta do recado quando a tempestade voltou. A maresia tinha ganhado intensidade e o sol derá lugar a escuridão. A maré subiu rápido e a movimentação das ondas ficou mais intensa. A água batia com força nas pedras e levou para longe uma pequena casinha de madeira, que antes era o refúgio dos deuses. Pela primeira vez o barulho enlouquecedor a tinha incomodado. Ao invés de ficar imobilizada, ela resolveu procurar abrigo. Enquanto caminhava a chuva forte dilacerava a pele e os passos ficavam cada vez mais pesados. Chegou sem fôlego a uma caverna úmida, mas acolhedora. Procurou estancar as feridas com uma erva medicinal comum naquele terreno árido. Nem bem tenha terminado os curativos desabou em um sono intenso. Estava acabada. Acordou de manhã com o sol a pino que por meio de uma fresta batia em seu rosto. O ronco no estômago era intermitente e suas pernas a levaram para o lado de fora, atrás de comida. Encontrou alguns caranguejos em bom estado, mortos pela tempestade, e foi em busca de fogo. A peregrinação rendeu uma surpresa. O papagaio incomodo fora encontrado desfalecido. Achou que poderia salvar o bichinho, sem sucesso. Antes de cair para o sono profundo o pássaro proferiu as palavras desconcertantes: abra os olhos.


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A caminhada levou a senhora para longe do abrigo seguro, porém ela resolveu continuar, para o desconhecido. Depois de poucos passos estava rodeada de casas, que misteriosamente não foram abaladas pela fúria dos ventos. "Como podia?", pensava. Os machucados na pele tinham sarado, apesar do sol forte. Na viela encontrou outro papagaio idêntico ao companheiro inquieto da praia deserta. Dessa vez a frase era curta, mas precisa. "Continue." Sem pestenejar seguiu o sentido da rua, observando casa por casa de uma maneira abobada. Ao lado do pássaro citadino ficaram as ataduras e a pele antiga de Dona Maria. De longe nem parecia a mesma pessoa. Sedenta, saiu do povoado desvairada, mas decidida. Deu por fim adeus a solidão e ao passado.

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